sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Fénix

O fogo-de-artifício queima o que resta de um ano moribundo, e das suas cinzas nasce um novo. Vela-se o ano que parte e criam-se expectativas para o ano que chega. Confesso, não sou optimista por natureza, antes pelo contrário. Já tenho as orelhas quentes de tanto me criticarem. Que vejo um copo meio vazio onde toda a gente vê um copo meio cheio. Não me interessa. Prefiro uma surpresa agradável a um balde de água fria. Portanto, peço sempre pouca coisa de cada vez. E o meu pedido para o Ano Novo é igual ao dos outros anos todos:

Que o ano que aí vem não seja pior do que o que passou.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Para sempre

Chamem-me mórbido, mas a morte é a única coisa de que se pode ter a certeza nesta vida. E mesmo assim, não se pode estar certo de como e quando ela chegará. Nunca gostei de me sentir preso e por isso sempre tive aversão a comprometer-me. Só prometo o que sei que posso cumprir e não faço promessas a pedido. Sou assim porque, honestamente, lido muito mal com a desilusão. E esta é a razão que fez com que pouco tempo bastasse para fazer de um crédulo um céptico. Por isso desconfio quando me dizem "para sempre". É que o "sempre" pode ser já amanhã.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Miragem

Um dia igual a todos os outros. Percorria o mesmo deserto de todos os dias, rodeado pela mesma massa amorfa de areia, completamente imutável. E então vi-a. Vi-a tão claramente quanto os meus olhos me permitiram. Fixei-a como que hipnotizado, tentando perceber se era real. Devolveu-me o olhar e assim ficámos, em mútua contemplação, por um instante que pareceu uma vida inteira. Foi quando cometi o erro de desviar o olhar, já nem sei bem porquê. Não durou mais do que um breve segundo, mas foi o suficiente. Quando de novo a procurei, já tinha desaparecido. O que mais lamento não foi a fugacidade do momento, nem tão pouco tê-la deixado fugir. Foi saber que, por mais que faça o mesmo caminho de sempre, dificilmente a voltarei a ver.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Retrovisor

Aos alpinistas dizem: "o segredo é não olhar para baixo".
Aos corredores dizem: "o segredo é não olhar para o lado".
Eu, por meu lado, tento não olhar para trás.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Auto-retrato

Diria que tenho um feitio difícil. Para a maioria, dizer que sou do signo Escorpião chega como cartão de visita. Vivo dentro de uma concha hermeticamente fechada, que apenas a espaços e com o estímulo certo se abre, deixando entrever um pouco do seu interior. Tenho tendência para o isolamento. Deprime-me estar sozinho. Gosto de estar sozinho. A minha ideia de convivência é metralhar tudo e todos com sarcasmo. Destilo humor negro por todos os poros e faço piadas sobre qualquer coisa, desde que o alvo fique mal na fotografia. Já me disseram que tudo não passa de uma capa. Para esconder o quê? Não sei e os que tentaram responder já muito me fizeram rir. Por estarem ao mesmo tempo tão longe e tão perto da verdade. Façam daí a psicanálise que quiserem. Quanto a mim, os olhos só vêem o que lhes quisermos mostrar.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

A primeira gota

Antigamente sangravam-se as pessoas doentes para as curar. Acreditava-se que o sangue era a força que movia o espírito; que transportava a vida, mas também tudo o que lhe pudesse fazer mal. Hoje em dia, pouco ou nada disto se faz. Mas eu acredito que, para curar os males da alma, sangrar ainda é a melhor opção.
As palavras aqui gravadas são gotas do meu sangue, o que mais tenho de meu. Tirado de mim a cada golpe que o tempo me vai infligindo, mas por mim dado voluntariamente. Hoje cai a primeira gota.